A Violência no Desporto em debate na Assembleia da República
Realizou-se, no início de Abril, na Assembleia da República, uma conferência subordinada ao tema “Violência no Desporto”. Foi uma jornada intensa de trabalhos, mais de 8 horas de discussão e reflexão do actual panorama desportivo português, no que à violência concerne. Denotou-se uma preocupação em abranger os mais variados sectores possíveis e, a meu ver, fez-se história, ao, pela primeira vez, ter tido a AR a sensibilidade e bom senso de convidar estruturas representativas dos Adeptos para participarem e darem as suas opiniões e visões sobre a realidade do terreno. Do que ficou dito e que absorvi com a máxima atenção, apesar do alento que esta seja só a primeira de muitas iniciativas, ficaram-me mais questões do que respostas, bem como o lamento por constatar que ainda há um longo caminho a trilhar na mudança de mentalidades. O primeiro mote foi dado logo pelo próprio poder político, divulgando uma iniciativa de proposta de alteração da lei da violência no desporto, uma vez que se crê que a sua aplicação ainda está longe de ser eficaz. Entre as medidas propostas, surge uma que capta a atenção: medidas de identificação mais rigorosa dos GOA e agravação das sanções e penas que se têm, agora, como ineficazes. E aqui soltei o meu primeiro suspiro… Os adeptos que se organizem neste tipo de associação já estão sujeitos a um duplo controle através de registo como associação e depois registo no IPDJ. Já estão devidamente identificados. Já têm medidas sancionatórias que podem ir da simples multa à criminalização agravada dos seus comportamentos, pelo que, em que medida poderão ser as penas mais pesadas para eles?? Não estarão já sujeitos a um excesso legislativo? Senão vejamos: qualquer cidadão que incite à violência, que provoque danos em propriedade alheia, que ofenda a integridade física de outrem ou que cometa homicídio tem penalização prevista pelo Código Penal. Se for Adepto, além de ter o Código Penal sempre presente, ainda terá penas agravadas para comportamentos idênticos ao comum do cidadão. Um exemplo muito prático? Se eu partir um vidro de um autocarro, sou punida por um crime de dano. Se carregar um cachecol ao pescoço, o mesmo facto passa a crime agravado… Por isso pergunto até onde se poderá ir na agravação de penas que, só por se ir à bola, já são mais pesadas do que o quadro legal “normal”? Da mesma forma, a lei em causa já prevê medidas mais graves e pesadas para punir comportamentos menos próprios dos adeptos. O que falta, como eu incansavelmente repito, é a coragem para as aplicar. De que serve uma lei que prevê a interdição de recintos desportivos ou a realização de jogos à porta fechada por causa de comportamentos menos próprios de adeptos, se a aplicação de tais medidas é mais difícil do que lutar contra moinhos de vento?? Porque é que é fácil aplicar uma multa a um clube por causa de um comportamento de um indivíduo, responsabilizando-o, assim, pela conduta de alguém cujo pensamento e forma de agir a instituição não pode controlar, mas não se parte para medidas mais gravosas, como um jogo à porta fechada, dado que a missão do clube, também prevista nessa mesma lei, de consciencializar os seus adeptos da importância de bons comportamentos, claramente, falhou?? O princípio é o mesmo! O clube paga pelas acções dos seus apoiantes (sem me debruçar pelo ridículo que tal medida representa – ficará para outra divagação), então porque não deixar o pé da letra e não ir pela vertente económica que, como está mais do que visto, não causa mossa alguma e não desincentiva estes comportamentos. Agora… se um clube se visse impossibilitado de utilizar o seu recinto desportivo, por um jogo que fosse, ou tivesse de realizar esse jogo à porta fechada, perdendo toda a receita de bilheteira… Aí sim, todos sentiriam na pele os efeitos nefastos da violência e trabalhariam para uma melhoria substancial do panorama desportivo, para que não fossem privados, uns e outros, do acesso ao desporto. Também foi interessante verificar, por números das próprias instituições e organizações desportivas que, apesar do esforço enorme que se faz para manter o foco na actuação e comportamento dos adeptos como grandes incitadores da violência no desporto, a matemática acabou por lhes trocar as voltas. E mais do que divulgar os números, gostava que alguém me tivesse explicado como se verifica ou relaciona este fenómeno e como poderia ser ultrapassada a questão. Mas passemos aos tão polémicos números: segundo a estatística mais recente, houve um aumento de multas a dirigentes na ordem dos 245%, enquanto que esse aumento no âmbito dos adeptos se ficou pelos 26%… Parece-me bastante elucidativo de onde reside o maior problema… Contudo admito que não tivessem sido apenas números debitados e que fosse feita a devida correlação, para que fosse cabalmente considerada a verdadeira questão: o tempo dos hooligans da bola já lá vai, o reinado do terror passou agora a instâncias superiores e são os próprios dirigentes a promover o pânico comunicacional e o acicatar de posições que acabam por incitar os adeptos. Há uma verdadeira mobilização da massa adepta pelos dirigentes, que ininterruptamente cerram as suas fileiras, instando comportamentos que pouco ou nada têm a ver com o espírito desportivo ou da competição. No entanto, a culpa continua a pairar única e exclusivamente sobre os adeptos… Também foi dito, na senda da divulgação desses mesmos números que uma das medidas que mais urge é “educar” os adeptos… Como se as pessoas, que por mera coincidência, são adeptos, não tivessem recebido a devida educação, sabendo o que é certo ou errado. As próprias expressões utilizadas mostram a forma leviana como os adeptos são tratados, usando um tom paternalista, quase como aquela velha máxima do “se os teus pais não te deram educação, então dou eu”. Parece-me de uma arrogância atroz e de um desfasamento da realidade que apenas a pouca consideração e preocupação com a questão podem justificar. O correcto seria formar adeptos. Consciencializar pessoas e mostrar-lhes não só as consequências e implicações de um comportamento menos correcto, mas também as alternativas e soluções para evitar tais condutas. Mas isso… dá trabalho… Então opta-se por juntar “educação” com penalização e ao mesmo tempo que se aclama uma sensibilização ou formação – seja lá o que queria dizer educação – apresentam-se medidas que não falam de qualquer vertente educativa/formativa mas apenas e tão só da vertente penalizadora. Confesso que fiquei confusa com aquilo que se tem como formador de consciências e verdadeiro serviço cívico E este, para mim, não é o caminho da solução, é só o caminho mais fácil. Também devo dizer que fiquei agradavelmente surpreendida por alguns membros de organizações institucionais terem demonstrado verdadeiro interesse em cooperar na procura e obtenção de soluções mais eficazes para o combate à violência no desporto. Ou teria ficado… Não fosse o facto de esses membros, no seu bonito discurso, terem-se esquecido de incluir os adeptos, apesar de terem incluído todos os outros intervenientes no fenómeno desportivo: poder político, dirigismo desportivo, forças de autoridade pública, sistema judicial e, até, comunicação social. Quanto aos adeptos… Foi também levantado o problema comunicacional como um flagelo de violência e mais uma vez eu me pergunto, quase à mister Scolari: E a culpa é dos adeptos??? Não tenho formação jornalística nem comunicacional, mas daquilo que me lembro das aulas de português, há um indivíduo que tem uma mensagem a transmitir, sendo ele o transmitente e quem a recebe o destinatário/receptor. Ora, não é preciso pensar muito para concluir quem está de um lado e do outro, sendo que os adeptos nunca serão veiculadores de mensagens, mas sim os seus recipientes, pelo que, mais uma vez, se existe um problema comunicacional gerador de violência, então pouco terá a ver com os adeptos na sua génese. Nesse seguimento foi também abordada a questão de que, hoje em dia, assistimos a um novo tipo de violência, uma que é premedita e programada. Ficou-me a pergunta: vem de quem? Quem incita? Certamente não poderá ser atribuída aos adeptos, uma vez que qualquer atitude menos reflectida por parte deles, provém de uma vertente emocional de ligação ao clube que o faz querer defendê-lo de forma natural e espontânea. Então, para essa violência premeditada e programada, apenas resta olhar de novo para cima… O auge desta problemática veio com a proposta de criação de uma Autoridade Administrativa com poderes de fiscalização e repressão de comportamentos violentos no âmbito desportivo, em complemento dos controles e registos já existentes, fazendo relembrar em muito outros tempos, em que a liberdade de expressão e associação não abundava e havia uma entidade específica para controlar esses movimentos. Tal forma de actuar culminou numa revolução… Acabei a constatar que, apesar do caminho das exposições apontar para conclusão diferente, o foco da violência foi sempre apontado aos adeptos, sendo todas as entidades céleres a apontar dedos e identificar problemas, mas todas também sendo incapazes de apresentar uma solução integradora… O adepto foi, uma vez mais, ignorado… O grande apogeu aparece quando, dentro da análise do poder jurisdicional, é equacionada a realização de rusgas a membros identificados dos GOA, como medida preventiva! (além do ponto de exclamação, colocaria aqui um emoji de boca aberta em espanto, se pudesse. À falta de tal expediente, resta-me a descrição do mesmo). Em capítulo próprio (até porque este já vai longo), me debruçarei sobre todas as normas que seriam violadas com a aplicação de tal medida. Aqui apenas direi que pouco percebi do carácter preventivo de tal medida, contudo o carácter intrusivo da mesma salta à vista, sendo que, ainda agora, enquanto escrevo, me custa acreditar que tal hipótese foi preconizada por um membro de um órgão de justiça. Com todas estas constatações, ficou-me uma grande questão: se não há mais manifestações de violência por parte dos adeptos, do que aquelas que sempre existiram, de onde vem este clima insustentável que hoje se vive no seio do desporto, mais concretamente no futebol? Diz-se, à boca miúda, que as coisas nunca estiveram tão mal e que a modalidade em si está a ser ignorada para se centrar em assuntos que pouco ou nada têm a ver com o jogo. Então mas se isso não é causado pelos adeptos, então de onde advém este clima de terror que, mais caricato ainda, afasta os adeptos do jogo e desinteressa-os do futebol? É certo a mediatização dos comportamentos menos próprios dos adeptos não tem comparação com as iniciativas positivas que os mesmos levam a cabo, porém a instrumentalização a que os mesmos têm sido sujeitos por parte de todos os intervenientes desportivos, sem sequer terem uma palavra a dizer ou uma estrutura representativa, é algo que não pode ser ignorado. Os adeptos são utilizados pelos dirigentes, pelos patrocinadores, pelos organismos e até pela comunicação social, qual marionetas sem vontade própria, mas felizmente chegou a hora de cortar os fios e caminhar de forma autónoma. E todos os organismos, estruturas e intervenientes que ainda teimam em apontar exclusivamente o dedo aos adeptos, apenas há a dizer que a culpa não morre solteira… E ou finalmente adoptamos um caminho de mudanças paradigmáticas e de mentalidade ou então muito dificilmente o futebol voltará a ser o espectáculo que foi um dia ou a gozar de qualquer dignidade enquanto veículo de valores desportivos. E aí, já não haverá adeptos para o resgatar. E sem adeptos…