Os contratos de trabalho e as sociedades empregadoras
Neste artigo de opinião iremos analisar o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 07/01/2019, relativo a contratos de trabalho, despedimento, créditos laborais, desconsideração da personalidade jurídica e pessoa coletiva.
No caso em análise, a trabalhadora intentou uma ação de impugnação de despedimento, pedindo a condenação de duas empresas ao pagamento de indemnização em substituição de reintegração, indemnização por antiguidade, remunerações não recebidas e ainda indemnização por danos não patrimoniais e a condenação de ambas as Rés por litigância de má-fé.
Isto porque a trabalhadora, apesar de ter sido contratada por uma empresa, na verdade sempre prestou o seu serviço para a outra. Sucede que, em determinada altura, o gerente da empresa com quem detinha o vínculo laboral formal, exaltado, acabou por despedir a trabalhadora, verbalmente, expulsando-a do local de trabalho, tanto nesse dia, como no seguinte quando a mesma se apresentou no seu local de trabalho.
Naturalmente, ambas as empresas contestaram a ação, uma alegando que não tinha qualquer contrato de trabalho com a trabalhadora e, logo, não a tinha despedido e a outra dizendo que tinha sido a trabalhadora a deixar de comparecer ao trabalho, pelo que lhe foi instaurado processo disciplinar por faltas injustificadas, que culminou em despedimento.
Após a apreciação de tudo o alegado por todas as partes e realização de audiência de julgamento, o tribunal de 1ª instância veio a proferir sentença que declarou o despedimento da trabalhadora como ilícito e condenou, solidariamente, as Rés, ao pagamento de indemnização por antiguidade e das retribuições devidas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, absolvendo-as dos restantes pedidos.
A empresa que não tinha vínculo laboral com a trabalhadora recorreu da sentença, alegando que a mesma nunca contratou a trabalhadora, que esta não tinha sido por si despedida e que não houve qualquer tentativa de embuste à lei ou abuso de personalidade coletiva, com tentou fazer passar a trabalhadora, quando alegou que o facto de ter sido contratada por uma empresa e prestar trabalho para outra, foi uma manobra para não ver os seus créditos laborais satisfeitos.
Como matéria de facto provada, apurou-se que a trabalhadora prestava o seu trabalho nas instalações da empresa com a qual não tinha contrato de trabalho, porém em horário diverso do dos trabalhadores da referida empresa e que a trabalhadora, após desconformidade que entendia existir no seu recibo de vencimento, entregou a chave das instalações onde prestava o seu trabalho, apresentando-se, no dia seguinte, com uma testemunha, no local de trabalho, onde discutiu com o sócio-gerente da empresa com a qual tinha celebrado contrato, tendo-lhe este dito que estava despedida, ordenando-lhe a saída das instalações.
Confuso?
Parece complexo, mas na verdade é algo bastante usual, quando se trata de empresas familiares, em que os familiares detêm participações em mais do que uma empresa por eles constituída e que laboram nas mesmas instalações físicas, gerando-se uma verdadeira homogeneidade entre o que será prestar o trabalho para uma empresa e para outra.
O Tribunal da Relação apreciou a desconsideração da personalidade coletiva das Rés, que foi levantada pela trabalhadora, por ter sido a questão levantada, uma vez que o despedimento verbal não foi posto em causa, tendo transitado em julgado.
Neste desiderato, o Tribunal da Relação analisou de forma diversa do tribunal de 1ª instância, olhando para o percurso do sócio-gerente de ambas as empresas condenadas ao pagamento da indemnização à trabalhadora.
Do que apurou, as empresas sempre atuaram de modo independente, apresentando as suas contas separadamente e desenvolvendo a sua atividade de forma autónoma. O facto do sócio-gerente da empresa que contratou a trabalhadora, ser também sócio-gerente da outra empresa não é, per se, indício de fraude, na medida em que qualquer pessoa pode ser sócia de mais do que uma empresa, sem que tal indique qualquer intenção fraudulenta.
Da mesma forma, ninguém se encontra impedido de ceder as suas quotas numa empresa ou apresentar a mesma à liquidação, após a saída de um colaborador, não querendo isso significar, de forma automática, uma intenção de fraude à lei ou de impedimento de qualquer trabalhador receber os seus créditos.
Deste modo, o Tribunal da Relação acabou por absolver a empresa com quem não havia vínculo laboral, ao arrepio do que estava vertido na sentença de 1ª instância, por entender que não existiu qualquer manobra ilícita nas movimentações societárias efetuadas.
Assim, caso seja trabalhador, certifique-se de que a empresa para que presta o seu serviço é efetivamente aquela com quem celebrou contrato de trabalho. Caso tal não seja possível no momento da celebração do contrato, mas se venha a verificar posteriormente, exija uma adenda ao contrato de trabalho onde conste a divisão de colaborador, pois que aceitar uma situação enquanto a relação laboral corre bem e, depois, contestá-la em tribunal quando corre mal, nem sempre dá os resultados pretendidos.
Por outro lado, se for empregador e dividir as suas instalações com outra empresa, deixe bem claro para o trabalhador que o facto de existirem instalações partilhadas não significa que exista uma partilha de colaborador e que tal não deve ser encarado como um indício de relação laboral partilhada.
Quanto aos atos societários, fazer sempre os mesmos da forma mais transparente possível é meio caminho andado para uma defesa sólida quando algo possa ser levado a tribunal e exposto de forma menos clara.