Despejo: pedido de diferimento de desocupação – Sim ou não?
Em razão da matéria mencionada no título deste presente artigo, vamos proceder a uma análise crítica ao Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido a 07/01/2019, que se versa sobre a instauração, por parte da Senhoria, de uma ação de procedimento especial de despejo, devido à falta de pagamento das rendas, por parte, claramente, do Arrendatário, no âmbito de um contrato de arrendamento celebrado para fins habitacionais.
A Arrendatária ao ter conhecimento da entrada de tal processo mediante notificação, veio requerer o diferimento da desocupação do imóvel arrendado para a habitação, pedindo o período máximo de 5 meses, para que lhe fosse possibilitada “a obtenção de uma resposta humana digna e em tempo útil, por parte dos serviços competentes, às suas graves carências económicas e sociais, designadamente a necessidade de encontrar uma habitação”.
No seguimento de tal pedido, veio a Senhoria apresentar contestação, concluindo que o diferimento da desocupação do imóvel arrendado para habitação não deveria ser concedido, tendo em conta que não se verificava nenhum dos requisitos exigidos pelo artigo 15º-N do NRAU.
Ora, o procedimento especial de despejo encontra-se previsto do artigo 15.º ao artigo 15.º- S, do NRAU (Novo Regime do Arrendamento Urbano, Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro), dizendo respeito a um meio processual que se destina a efectivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes. Sendo que o requerimento para início o mesmo, é entregue no Balcão Nacional do Arrendamento (doravante BNA), podendo este ser recusado ou aceite.
Sendo aceite, o BNA, nos termos do artigo 15.-D do NRAU, expede imediatamente notificação para o requerido, ou seja, para a Arrendatária neste presente caso, por carta registada com aviso de receção, para, em 15 dias, a mesma proceda aos seguintes a uma das seguintes opções:
“a) Desocupar o locado e, sendo caso disso, pagar ao requerente a quantia pedida, acrescida da taxa por ele liquidada;
b) Deduzir oposição à pretensão e ou requerer o diferimento da desocupação do locado, nos termos do disposto nos artigos 15.º-N e 15.º-O.”
Ora, na situação em apreço, a Arrendatária optou pelo caminho previsto na alínea b) do artigo supra, pelas razões que já foram explanadas anteriormente. Mas, na verdade, no que consiste o diferimento da desocupação do locado?
Bom, o diferimento da desocupação do locado, é um incidente que ocorre no procedimento especial de despejo, a requerimento do arrendatário, é decidido de acordo com o prudente arbítrio do tribunal, devendo o juiz ter em consideração as exigências da boa-fé, a circunstância de o arrendatário não dispor imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que habitam com o arrendatário, a sua idade, o seu estado de saúde e, em geral, a situação económica e social das pessoas envolvidas, só podendo ser concedido, caso algum dos seguintes fundamentos identificados, se verifiquem:
“a) Que, tratando-se de resolução por não pagamento de rendas, a falta do mesmo se deve a carência de meios do arrendatário, (sublinhado nosso), o que se presume relativamente ao beneficiário de subsídio de desemprego, de valor igual ou inferior à retribuição mínima mensal garantida, ou de rendimento social de inserção;
b) Que o arrendatário tem deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60 /prct.”.
Perante tais parâmetros legais que tem de seguir e avaliar, no presente caso, o Juiz verificou que, de facto, não existia qualquer impedimento legal ao diferimento do despejo, tendo e conta que a Arrendatária/Requerente apresentou prova em conforme auferia, a título de Rendimento Social de Inserção, uma quantia mensal de € 180,99 (cento e oitenta euros e noventa e nove cêntimos), no entanto, e não podendo ter apenas tal questão em, consideração, o Juiz tomou em especial relevo a duração do incumprimento da Requerente, tempo durante o qual, estando de boa-fé, deveria ter procurado soluções alternativas de alojamento, o que de facto, não o fez. Pelo que foi de entendimento do Juiz, julgar procedente tal pedido de diferimento da desocupação do locado, por apenas 30 dias, contados da data da presente decisão.
Considerando que nestes 30 dias, a Requerente dispunha de um prazo justo para encontrar uma nova habitação, tendo assim tempo para preparar a solução habitacional residual que, tendo em conta que se pode prevalecer da ajuda disponível da Linha Nacional de Emergência Social (LNES-144), ficando assegurado à Senhoria, o direito às rendas, através do Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, de acordo com os termos previstos no artigo 15º-N, nº 3, do NRAU.
No entanto, a Arrendatária/Requerente do pedido que temos vindo a analisar, não considerou aceitável tal decisão do Juiz tendo recorrido para o Tribunal da Relação do Porto, onde apresentou, novamente, a sua situação financeira precária, assim como o facto de possuir problemas de saúde, sendo que para o segundo articulado, não apresentou quaisquer provas que pudessem ser tidas em conta pelo Tribunal.
Após análise dos Juízes da Relação, os mesmos decidiram julgar improcedente a apelação da Arrendatária/Requerente, e, consequentemente confirmar a decisão recorrida, dispondo assim a mesma de 30 dias para conseguir solucionar a sua situação habitacional.
Ora, tendo em conta todas as questões aqui vertidas, é de nosso entendimento concordar com as decisões dos Tribunais, tanto da 1.ª Instancia, como da Relação, tendo em conta que no âmbito do Arrendamento, não se pode ter só em conta as questões controvertidas aos arrendatários, tendo de se salvaguardar, de igual modo, os interesses dos senhorios, e nesta presente situação, a Senhoria encontrava-se sem o seu direito às rendas há muito tempo, não tendo, durante este período, a Arrendatária tentado solucionar tal questão, tendo em conta que existe a Linha supramencionada, que fornece apoios, assim como se poderia ter socorrido por outros meios, nomeadamente perante a Segurança Social, de forma a procurar uma alternativa, pedindo ajuda e apresentando os seus rendimentos atuais, para proceder ao pagamento das rendas.
Não o tendo feito, nota-se aqui que existe, em parte, falta de boa-fé na solução, pelo que não seria, de todo, procedente e de certa forma seguro, admitir mais 5 meses para a desocupação do imóvel, existindo a possibilidade de nesses meses a Arrendatária nada fazer e a Senhoria ver-se prejudicada por mais esse período de tempo, sujeitando-se a manter a Arrendatária no seu imovel, de forma gratuita, obtendo assim um grande prejuízo nos seus rendimentos.
Ademais, tendo em conta todo o período que a Arrendatária teve, desde que incumpriu com o previsto no Contrato de Arrendamento, na questão do pagamento das rendas, considera-se, de igual modo, que mais 30 dias para solucionar tal questão é suficiente, concordamos mais uma vez com as decisões de ambos os Meritíssimos Juízes. Devendo no entanto, esses 30 dias em que a Arrendatária se mantém no locado, serem acrescidos no valor da causa, valor esse devido à Senhoria.