A incompetência dos Tribunais – A regra especial
Na análise deste acórdão de 26/10/2022 sobre a competência ou incompetência dos tribunais, uma sociedade intentou uma acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, tendo em vista o direito de regresso relativamente a retribuições de trabalhadores pagas pela Autora, devidas a título de férias e subsídios de férias, assim como proporcionais de férias e subsídios de férias e de Natal e não pagas pela Ré. Por sua vez, a Ré apresentou contestação invocando a incompetência em razão do território e da matéria do Juízo Central Cível.
A declaração de incompetência do tribunal
O Juízo Central Cível declarou-se territorialmente incompetente e encaminhou o processo para o Juízo Central, que também proferiu despacho, declarando-se materialmente incompetente para conhecer do pedido, absolvendo a R. da instância.
A Autora interpôs recurso para o Tribunal da Relação, que proferiu acórdão, concluindo pela competência do Tribunal de Trabalho para conhecer da ação.
Novamente, a Autora interpôs recurso de revista para o STJ, o qual julgou improcedente a revista, julgando competente o Juízo do Trabalho no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, por aplicação do art. 126º, 1, b) e n), da LOSJ. A Autora não ficou por aqui e ainda deduziu Reclamação para a Conferência (art. 652º, 3, ex vi art. 679º, do CPC).
Neste caso, a questão a resolver é saber se o Acórdão fez uma correta aplicação do direito quando considerou que o Juízo Central Cível era incompetente sendo o Juízo do Trabalho competente para a apreciação da questão, por aplicação dos artigos 126º, 1, b) e n) e/ou pela aplicação do art. 117º, 1, a), da LOSJ.
Aplicando-se o estabelecido nos artigos 64º e 65 do CPC e ainda no disposto do artº 211/1 da CRP, 40/1, 117º da LOSJ e consequentemente o art.º 126/1/b) da LOSJ, que prevê, em razão de matéria cível a competência dos juízos do trabalho.
Portanto, foi averiguado se a questão a decidir justifica a competência laboral especializada ou por outro lado se não será de aplicar a al. a) do art. 117º, 1, da LOSJ.
Importante será a justificação que terá por base a correlação entre pedido e causa de pedir, sendo o pedido a condenação, com base num direito de regresso de retribuições e contribuições para a Segurança Social, satisfeitas pela Autora, após uma situação de transmissão de titularidade de estabelecimento, sendo daí que advém a sua sucessão na posição de empregadora quanto aos contratos. A causa de pedir tem por base a existência de contratos de trabalho e se a Autora cumpriu as obrigações relativas a esses contratos tendo consequentemente direito à restituição dos montantes pagos.
O Acórdão recorrido fundamentou afirmando ter, por base, uma apreciação de matéria laboral. “Quer dizer, não é possível julgar a questão da autora sem ter em conta a legislação laboral.
Logo a competência para a presente causa enquadra-se nas alíneas b) e n) do nº 1 do referido artigo 126º, tal como se entendeu no tribunal recorrido.”
Concluindo este Tribunal que: “Logo, neste contexto global fáctico-jurídico, a apreciação e julgamento da acção é de absorver na competência exclusiva dos Juízos do Trabalho, no âmbito conjugado das matérias descritas nas als. b) e n) do art. 126º, 1, da LOSJ: questão com pedido envolvendo a entidade empregadora em contratos de trabalho e terceiro (a anterior entidade empregadora), com base em relação conexa que gerou a transmissão dos contratos de trabalho para a nova entidade por força da lei, sendo o pedido expresso, assim como os pedidos que são pressupostos desse pedido, emergentes das relações de trabalho subordinado configuradas por tais contratos de trabalho.”
Pela análise das três decisões proferidas e principalmente tendo por base o pedido e a causa de pedir, existindo regra especial relativamente à competência, em razão da matéria, deverá ser essa a aplicar, acompanhando-se a posição da Primeira Instância, Relação e Supremo.
Este acordão poderá ser consultado em: https://www.dgsi.pt/
BQ Advogadas