Intermediários de Crédito
O Decreto-Lei n.º 81-C/2017 aprovou o regime jurídico que estabelece os requisitos de acesso e de exercício da atividade de intermediário de crédito e da prestação de serviços de consultoria, transpondo parcialmente a Diretiva 2014/17/UE.
Com a entrada em vigor deste diploma, passou a ser obrigatório, para o exercício da atividade de intermediário de crédito, a autorização do Banco de Portugal. Esta autorização depende de uma série de requisitos, completamente exagerados e desproporcionais, a nosso ver, assim como de uma burocracia desmedida. Desde 1 de Janeiro de 2019, que as pessoas, singulares ou coletivas, que não tiverem obtido tal autorização estão proibidas de exercer a atividade de intermediação de crédito, ainda que, até aqui, o tenham podido fazer e tenham experiência comprovada.
Ora, de acordo com o artigo 6.º, existem três categorias de intermediário de crédito:
Intermediário de crédito a título acessório, que é definido como fornecedor de bens ou serviços, que em nome e sob responsabilidade total e incondicional do mutuante ou do grupo de mutuantes com quem tenha celebrado contrato de vinculação, atua como intermediário de crédito tendo em vista a venda dos bens ou a prestação dos serviços por si oferecidos;
Intermediário de crédito não vinculado, definido como pessoa coletiva que atua como intermediário de crédito sem que tenha celebrado contrato de vinculação com um mutuante ou um grupo de mutuantes;
Intermediário de crédito vinculado, visto como pessoa singular ou coletiva que desenvolve a atividade de intermediário de crédito no âmbito de contrato de vinculação, atuando em nome e sob a responsabilidade total e incondicional do mutuante ou do grupo de mutuantes com quem tenha celebrado contrato de vinculação.
Para que a autorização junto do Banco de Portugal surja é necessário preencher vários requisitos que diferem, obviamente, se a pessoa é singular ou coletiva.
E é nos requisitos das pessoas coletivas que, a nosso ver, se constata perfeitamente que o objetivo deste Decreto-Lei foi concentrar nas grandes sociedades este tipo de atividade, não deixando grande espaço para as sociedades de média e pequena dimensão, que não têm facilidade em conseguir certas estruturas ou recursos pedidos, mas o que não faz delas menos capazes de prosseguir esta atividade.
Exemplo disso é o facto de ser exigido que todas as pessoas singulares dos órgãos de administração de uma sociedade possuam o nível adequado de conhecimentos e competências em matéria de contratos de crédito e esse conhecimento e competência é aferido através do artigo 13.º, n.º 2 que estabelece: “Considera-se que possuem conhecimentos e competências adequados para o exercício da atividade de intermediário de crédito as pessoas singulares que, em alternativa:
a) Cumpram com a escolaridade obrigatória legalmente definida e possuam certificação profissional na área da atividade de intermediário de crédito, de acordo com os conteúdos mínimos a definir na portaria referida no n.º 4;
ou b) Sejam titulares de um grau académico, de um diploma de técnico superior profissional, ou de formação de nível pós-secundário conferente de diploma, cujo plano de estudos inclua os conteúdos mínimos de formação a definir na portaria referida no n.º 4.” ou, pelo n.º 3 que considerará, até dia 21 de Março de 2019, que são ainda possuidoras de conhecimentos e competências adequados as pessoas singulares que, apesar de não observarem os requisitos supra referidos: “ (…) tenham exercido as seguintes atividades durante, pelo menos, três anos consecutivos ou interpolados:
a) Intermediário de crédito, membro do órgão de administração de intermediário de crédito ou responsável técnico pela atividade do intermediário de crédito;
b) Trabalhador de mutuante, desde que diretamente envolvido na atividade de concessão de crédito;
c) Trabalhador de intermediário de crédito, desde que diretamente envolvido na prestação de serviços de intermediação de crédito. “.
Ora, salvo o devido respeito, parece um pouco exagerado que todas as pessoas singulares que fazem parte dos órgãos de administração de uma sociedade tenham de ter, todas, obrigatoriamente, estes requisitos cumpridos.
Muitas vezes, o facto de se constituir uma sociedade, é para complementar conhecimentos, capacidades e abranger novas áreas que um indivíduo, sozinho, não teria possibilidade ou que seria mais difícil. O fazer parte de um órgão de administração não quer dizer que venha a desempenhar diretamente a atividade de intermediação de crédito. Este requisito parece ser desmedido na medida em que é necessário que todos os órgãos da administração reúnam tais requisitos, não bastando apenas que um deles tenha tal capacidade ou competência.
Adicionados aos requisitos gerais existem ainda requisitos específicos de acesso a cada categoria de intermediário de crédito: 1) em relação aos intermediários de crédito vinculados, o artigo 17.º estabelece que só podem ser celebrados contratos de vinculação com um único mutuante, um único grupo de mutuantes ou com um número de mutuantes ou grupos que não representem a maioria do mercado; 2) em relação aos intermediário de crédito não vinculado, apenas pessoas coletivas podem exercer a atividade de intermediário de crédito nesta categoria, só podem ter como objeto social a atividade de intermediário de crédito e não podem ser participadas no seu capital por instituições ligadas à área financeira, de concessão de créditos ou de outras categorias de intermediação de crédito, de acordo com o artigo 18.º.
Para além de todos estes requisitos, o exagero estende-se também aos documentos exigidos na entrega dos pedidos de autorização, exemplo disso são: “ (…) l)Descrição da estrutura orgânica do interessado; m) Elementos comprovativos da existência de dispositivos sólidos em matéria de governo da sociedade proporcionais à natureza e à complexidade da atividade que pretende exercer, incluindo uma estrutura organizativa clara, com linhas de responsabilidade bem definidas, transparentes e coerentes, e procedimentos administrativos e contabilísticos; n) Descrição dos meios humanos, técnicos e materiais de que o interessado dispõe para o exercício da atividade de intermediário de crédito; (…)”.
Ora, pensamos que, mais uma vez, se foi longe demais nas exigências efetuadas às pessoas coletivas, sendo que existiu um conveniente esquecimento das sociedades de média e pequena dimensão, que não possuem estruturas tão desenvolvidas que se justifique, por exemplo, ter um código de corporate governance implementado nos seus serviços, sendo que a falta de tal código não faz com que não consigam efetuar corretamente e com rigor esta atividade, que muitas delas sempre desempenharam.
Concluindo, cremos que certos requisitos e elementos exigidos às pessoas coletivas que querem aceder à atividade de intermediação de crédito, são exagerados e desproporcionais tendo como objetivo – ou pelo menos será o resultado obtido – restringir e concentrar nas grandes sociedades esta atividade, não pela sua maior competência mas sim por terem uma disponibilidade financeira e monetária maior, que se repercute nas exigências pedidas pelo Banco de Portugal.