A chegada do Papa Francisco e do perdão
Nos últimos tempos, a atenção tem estado focada na realização das Jornadas Mundiais da Juventude, que é considerado um dos maiores eventos do ano, pois traduziu-se na mobilização de inúmeros jovens do mundo inteiro, com destino marcado para Lisboa, contando ainda com a visita muito desejada do Papa Francisco. A propósito deste grande acontecimento, a nível mundial, o Governo decidiu avançar com uma proposta de amnistia penal, Lei nº97/XV/1, tendo já sido aprovada na especialidade, a 19 de junho de 2023, embora apenas entre em vigor a 1 de setembro de 2023. Contudo, esta medida não é inédita, uma vez que já se sucedeu noutras visitas, nomeadamente, houve três casos de amnistias: em 1967; em 1982 e em 1991.
A vinda do Papa Francisco irradia, para alguns, um sinal de esperança. Com o intuito de divulgar os valores defendidos pela igreja, como a reinserção social, foi proposta a Lei da amnistia. No entanto, muitos criticaram que o surgimento da mesma estivesse relacionado apenas com a vinda de um líder religioso, isto porque, a base do nosso direito defende a reinserção social e não se justifica só acontecer esporadicamente com visitas religiosas. O líder parlamentar do Bloco de Esquerda, Pedro Filipe Soares, apontou neste sentido, afirmando que os 50 anos do 25 de abril poderiam servir “como chapéu para a apresentação desta medida”.
No seu âmbito de aplicação, está previsto que seja perdoado um ano de prisão a penas até oito anos. Serão perdoadas na totalidade as penas até um ano de prisão ou 120 dias de multa, salvo algumas exceções; as contraordenações até mil euros terão de ser pagas, mas ficam sem efeito as sanções acessórias, exceto se se referirem a comportamentos ilegais cometidos sob o efeito do álcool ou estupefacientes. Ou seja, nem todos os ilícitos serão alvo de amnistia, estando excluídas as exceções previstas no artigo 5º, como o homicídio, infanticídio, maus-tratos, violência doméstica, ofensa à integridade física grave ou qualificada, crimes contra a autodeterminação sexual, entre outros. Apesar de se verificar aplicação imediata aos casos descritos anteriormente, é concedido a recusa da amnistia aos arguidos por infrações, previstas no artigo 4º, podendo, assim, requerer que a amnistia não lhes seja aplicada.
O propósito desta Lei prende-se com perdoar os jovens que hajam praticado determinados crimes, onde a vertente penal não se revele muito grave, estando a lei vedada em certos casos. Portanto, este regime de perdão de penas e de amnistia tem como alvo os jovens a partir da maioridade penal, ou seja, de 16 anos, até perfazerem 30 anos, aplicando-se a crimes e infrações que sejam praticados até 19 de junho de 2023, artigo 1º e 2º da respetiva Lei. Deste modo, justificou-se a adoção destas medidas de clemência à realidade humana a que a mesma se destinava, os jovens, porque são estes os destinatários das Jornadas Mundiais da Juventude.
Todavia, levantou-se a questão de na sua previsão normativa, o presente diploma somente se aplicar a um determinado escalão etário, sendo considerado por muitos, um erro forte no que toca à sua constitucionalidade. De facto, vários juristas, defendem que esta limitação não se revela em conformidade com o princípio da igualdade, presente no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa e ainda com o artigo 21° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, pois não é justificação, esta limitação se basear em fundamentos religiosos, que sustentam que a liberdade deve ser medida pela idade dos destinatários centrais de um evento religioso.
Deste modo, são revelados vários motivos que questionam a sua conformidade constitucional, e que sustentam que a criação de amnistias não deve estar agregada à visita de algum líder religioso, uma vez que isto poderá significar numa situação injusta para diversos membros da sociedade.