Sociedades por quotas: o que diz a Jurisprudência sobre elas
Neste artigo iremos analisar o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 15/01/2019, que se debruçou sobre sociedades por quotas e questões atinentes à destituição de sócios, boa fé e também os procedimentos relativos às assembleias gerais, convocatórias para as mesmas e irregularidades.
As sociedades por quotas são pessoas colectivas, porém com uma génese marcadamente pessoal, onde existe uma maior proximidade entre os sócios do que nas sociedades anónimas e, portanto, as relações de confiança e, muitas vezes, de afectividade, podem afectar em grande medida a vida da sociedade.
Uma das vicissitudes que pode ter lugar em virtude dessas relações é, precisamente, a destituição de sócios. Contudo, para que esta ocorra, têm de se assegurar as mínimas garantias de defesa.
Quer isto dizer que, para destituir um sócio, é necessário realizar uma assembleia geral, tem de existir uma convocatória e esta deve estar elaborada de modo a que o sócio a destituir possa perceber as imputações que lhe são feitas, de modo a poder defender-se das mesmas.
Também de um ponto de vista de decisão informada, os sócios que irão votar a deliberação, terão de ter um mínimo de informação habilitante, pois caso contrário não se poderá efectivamente falar de um voto consciente.
No caso em apreço foi intentada uma acção de anulação de deliberação social (com consequente anulação de todas as deliberações posteriores à visada), que foi contestada.
Em 1ª instância o tribunal julgou procedente a acção e determinou a anulação da deliberação em causa, tendo sido tal decisão objecto de recurso pela Ré, porém sem sucesso uma vez que o Tribunal da Relação confirmou a sentença recorrida.
Ainda assim, a Ré não desistiu e recorreu para o STJ, uma vez que não concordava com o argumento dos anteriores tribunais de que, na sua convocatória para a assembleia geral de onde tinha saído a deliberação, não tinha cumprido com os requisitos mínimos de informação.
Em causa está o art. 377º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), que é aplicável às sociedades por quotas por força do art. 248º nº 1 do mesmo diploma e que regula a convocação e forma de realização da assembleia e, mais concretamente, o seu nº 8 que determina o que deve constar no aviso convocatório.
Para a Ré, sendo que o visado art. 377º/8 apenas refere que o “O aviso convocatório deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada.”, os fundamentos para tal não têm obrigatoriedade de constar na convocatória.
Contudo, tanto na 1ª instância como na Relação, havia ficado provado que, mesmo no decorrer da assembleia geral que deliberou a destituição, não foram devidamente explicados e/ou justificados os motivos para o término antecipado do mandato.
Isto porque, apesar da lacónica estipulação do Código, o nº 8 do art. 377º também diz que quando o assunto for alteração do contrato, deve mencionar as cláusulas a modificar, suprimir ou aditar e o texto integral das cláusulas propostas.
Ora, sendo a destituição de sócios um acto que irá, obrigatoriamente, alterar o contrato social, entende a jurisprudência que a convocatória para a assembleia geral deverá conter mais do que a mera menção do acto que se pretende levar a cabo, indicando também os motivos e fundamentos para que se delibere sobre tal, para que possa ser feita a devida ponderação, dada a natureza e implicações que a deliberação poderá impor.
Também do ponto de vista dos direitos dos sócios, o art. 21º nº 1 al. c) do CSC estipula o direito à informação dos sócios a tudo o que se refere à vida da sociedade. Sendo a destituição de um sócio um acto que, obrigatoriamente, terá implicações na vida da sociedade, então, naturalmente, os motivos que levam a essa destituição serão informação relevante para os sócios.
Da mesma forma, um sócio que tenha toda a informação atinente à deliberação que se pretende levar a votos, é um sócio mais bem posicionado para decidir, o que não acontece se apenas tiver conhecimento do que vai ser apreciado, mas não os motivos que levam àquela apreciação.
De igual modo, em assembleia geral também devem ser prestadas todas as informações necessárias a uma tomada de decisão informada e consciente, conforme preceitua o art. 290º nº 1 do CSC, especificando que qualquer sócio poderá requerer que lhe sejam prestadas informações verdadeiras, completas e elucidativas que lhe permitam formar opinião fundamentada sobre os assuntos sujeitos a deliberação.
Esta informação verdadeira, completa e elucidativa só pode ser recusada caso comporte sério e grave prejuízo para a sociedade e, caso seja uma recusa não justificada, então haverá lugar à anulação das deliberações tomadas.
Tendo entendido o STJ, tal como entenderam os tribunais inferiores, que não estava cumprido esse dever mínimo de informação habilitante à tomada de uma decisão consciente e informada, acabou por confirmar as decisões anteriormente emanadas.
Assim, ao elaborar uma convocatória para uma assembleia geral de uma sociedade, deverá ter-se sempre em atenção o assunto a tratar e o tipo de implicação que o mesmo comporta, para determinar o maior ou menor grau de informação que o aviso convocatório deverá conter, pois uma convocatória elaborada de modo deficitário, poderá determinar a anulação de todas as deliberações tomadas, não só na assembleia onde as mesmas forem votadas, mas também em todas aquelas que ocorrerem enquanto a questão é decidida em tribunal, o que irá comportar, com um elevado grau de probabilidade, sério prejuízo para a sociedade, dado que a sua vida não pode ficar suspensa e subordinada aos tempos dos tribunais.
A anulação de deliberações que tenham sido tomadas na constância de acções em tribunal pode prejudicar, inclusive, as relações externas da sociedade, metendo em cheque parceiros, fornecedores e clientes, o que, em última análise, poderá mesmo ditar o fim dessa sociedade.
Deste modo, é bom recordar sempre que uma sociedade por quotas, ainda que feita de relações pessoais, ultrapassa em muito essas relações e vive de esforços comuns de todos os que nela participam e que, independentemente da quota parte que detenham, existem certos direitos que são conferidos de forma automática, apenas pela condição de sócio. O direito à informação é um deles e não está subordinado à quota parte que se detém.