Acidentes de trabalho – Como são tratados pela jurisprudência?


Acidentes de trabalho: jurisprudência e ónus da prova em caso de descaracterização
O Tribunal da Relação do Porto, no acórdão relativo ao processo n.º 1048/16.9T8VFX.P1, analisou um acidente de trabalho ocorrido em 2015, centrando-se na possibilidade de descaracterização do acidente e no papel do ónus da prova a cargo da entidade seguradora.
O caso em análise
Um trabalhador da área da serralharia sofreu uma lesão ocular enquanto ajudava um colega, ao ser atingido por uma limalha. Ficou com uma incapacidade permanente de 7,5% e intentou ação contra a seguradora da empresa que tinha transferido a responsabilidade por acidentes de trabalho. A ré alegou descaracterização do acidente, alegando que o trabalhador não usava os óculos de proteção fornecidos.
Acidente de trabalho: definição legal
Segundo a Lei n.º 98/2009 (LAT), é considerado acidente de trabalho aquele que ocorre no local e tempo de trabalho, provocando lesão com redução da capacidade de trabalho ou de ganho. O acórdão confirma que estavam reunidos os requisitos legais: dano, nexo causal, local e tempo de trabalho, e trabalhador protegido.
A questão central residia em saber se o comportamento do trabalhador justificava a exclusão de responsabilidade da seguradora, por alegada violação injustificada das condições de segurança.
Descaracterização do acidente
Para haver descaracterização exige-se prova de que:
1. A conduta do trabalhador foi dolosa ou resultou de negligência grosseira;
2. Existiu violação injustificada das condições de segurança impostas;
3. A lesão resultou dessa conduta.
No caso, o trabalhador emprestou os óculos de proteção ao colega por solidariedade. Tal gesto, embora contrário às normas de segurança, não foi considerado injustificado nem doloso, pelo que o tribunal não reconheceu a descaracterização.
Ónus da prova: responsabilidade da ré
É pacífico na jurisprudência que o ónus da prova da descaracterização recai sobre a entidade empregadora ou seguradora. Esta deve demonstrar, de forma clara, os factos que sustentem a exclusão de responsabilidade.
Como a ré não conseguiu provar que o trabalhador atuou com culpa grave ou sem justificação, o tribunal considerou não provados os factos descaracterizadores e atribuiu-lhe responsabilidade pelo acidente.
Conclusão do Tribunal
O acórdão reforça que o incumprimento das regras de segurança só afasta o direito à reparação quando seja injustificado e comprovado. No caso concreto, não se verificaram os requisitos da descaracterização, e a seguradora não cumpriu o seu ónus da prova, mantendo-se, assim, a responsabilidade pelo acidente.
Este acórdão evidencia a importância do princípio da proteção do trabalhador e clarifica os critérios para a descaracterização em sede de acidentes de trabalho.

BQ Advogadas












