Análise de Acórdão – Despedimento por justa causa


O presente artigo versa sobre acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07-01-2019, Proc. nº 3338/17.4T8MAI.P1 – divergência de posições, entre trabalhadores, ocorrida numa sala de convívio, numa pausa do trabalho que acabou por gerar um processo disciplinar resultando num despedimento por alegada justa causa.
Analisemos os factos do acórdão em apreço.
A entidade empregadora – Réu – é uma empresa que se dedica à assistência em escala ao tráfego aéreo e o trabalhador – Autor – foi admitido para trabalhar sob a autoridade e direção da entidade em causa, mediante contrato de trabalho escrito, para exercer as funções de operador de assistência em escala, no Aeroporto do Porto.
No dia 28 de janeiro de 2017, por volta das 16:30 horas, o autor, que se encontrava escalado das 16:00 às 24 horas, estava na sala de convívio da placa, juntamente com outros colegas e o coordenador de Serviço.
Nesse mesmo local encontrava-se outro trabalhador – Chefe de Equipa.
E no decurso de uma conversa entre os presentes na sala de convívio e depois de uma intervenção do Autor que mereceu a discordância do Chefe de Equipa, aquele disse ao mesmo para ele deixar de ser burro, ao que o ofendido reagiu dizendo ao Autor para ele ter respeito uma vez que não estava a falar com os pais, sendo que, por sua vez, o Autor voltou a repetir o que já tinha sido dito anteriormente.
Após esta conversa, durante o percurso entre a sala de convívio da placa e os balneários, já no exterior, o Autor dirigiu-se ao chefe de equipa dizendo-lhe que queria falar com ele, tendo este respondido que não queria conversar.
Nessa sequência, o Autor seguiu o chefe de equipa até aos balneários e já no interior dos mesmos, agarrou o chefe de equipa pelos colarinhos e empurrou-o contra os cacifos, dizendo-lhe que ele não o conhecia e ameaçando que lhe podia fazer uma espera e bater fora do serviço.
Após o sucedido o chefe de equipa apresentava sangue junto ao queixo em consequência do conflito.
Finalmente, esta situação foi a que originou o processo disciplinar, tendo como fim o despedimento por justa causa.
Após o exposto e nesse mesmo turno do dia 28-01-2017, o Autor e o chefe de equipa estiveram a trabalhar juntos na mesma equipa, sem que tivessem ocorrido incidentes.
Desta forma, analisemos, então, a questão colocada da ilicitude ou licitude do despedimento, ou seja, saber se as condutas imputadas ao autor constituem ou não justa causa de despedimento.
Antes de mais, olhemos para o princípio constitucional da “Segurança no emprego”, previsto no art. 53º da CRP que refere que “é garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos”.
Sobre a noção desta, dispõe o nº 1 do art. 351º do CT que: “constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.”.
Noção genérica, que, pressupõe a verificação cumulativa de três elementos essenciais:
- um subjectivo – traduzido num comportamento ilícito e culposo do trabalhador, grave em si mesmo e nas suas consequências;
- um objetivo – consistente na impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação de trabalho;
- um nexo de causalidade – que tem de se verificar entre aquele comportamento e esta impossibilidade.
E, assim, importa relembrar que, para a verificação da justa causa, não basta a simples materialidade dos factos, nomeadamente os previstos no nº 2 do art. 351º, sendo necessária a demonstração do comportamento culposo do trabalhador, revestido de gravidade que torne, pelas suas consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Logo, o fato de um trabalhador praticar violência física e ameaça, sobre um outro trabalhador da empresa, não determina, de forma automática, a verificação de justa causa de despedimento. Pois também é necessário que se alegue e prove que essa, “prática ilegítima”, assuma tal gravidade e consequências que se verifica a impossibilidade de manutenção do contrato de trabalho nos termos exigidos pelo nº 1 do art. 351º.
Ou seja, é sempre necessário que o trabalhador tenha agido com culpa e que a gravidade e consequências do seu comportamento tornem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Claro que, como vem plasmado no art. 128º, nº 1, alíneas a) do Código do Trabalho, o trabalhador deve respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade.
No contexto em que ocorreu, não se entende que o comportamento do Autor, consubstanciado na expressão dirigida ao chefe de equipa, configure uma expressão grosseira, injuriosa e desrespeitosa e o segundo comportamento não pode deixar de ser valorado à luz da cláusula geral, enunciada no nº 1, daquele referido art. 351º, nem a apreciação da justa causa pode ser feita sem ter em conta o estabelecido no nº 3 do mesmo artigo, de modo a poder-se considerar o mesmo “justa causa de despedimento”.
Na ponderação entre, por um lado, o princípio constitucional da segurança no emprego (art. 53º da CRP) e, por outro, a lesão dos interesses do empregador, o tribunal entendeu que, no caso, se revelou desproporcional a sanção aplicada.
Assim, o tribunal não apurou factualidade, onde possa concluir pela impossibilidade de manutenção da relação de trabalho, o que determina a inexistência de justa causa.
Mais se acrescenta que, após o sucedido, no mesmíssimo dia, o Autor e o chefe de equipa estiveram a trabalhar juntos na mesma equipa, sem que tivessem ocorrido incidentes.
O que leva a crer que o ambiente e o trabalho não foram prejudicados após o conflito, levando, uma vez mais, o tribunal a decidir contra o despedimento.
Daí que se entenda que o comportamento do trabalhador não foi de tal modo grave que tenha posto em causa a relação de trabalho.
Após o que foi dito acima, naturalmente se repudia todo o tipo de violência, seja física ou verbal, configurando infração merecedora de sanção, mas, sem dúvida, uma outra sanção que não a expulsiva. Podia tratar-se de uma situação, onde se suspende-se o trabalho com perda de retribuição, por exemplo.
Finalmente, o tribunal também considerou que a atitude do Autor se traduziu numa situação isolada e numa relação de mais de 16 anos, não tinha existido qualquer situação do género, encarando assim a situação como pontual. E concluindo que não estão reunidos pressupostos suficientes para determinar a licitude do despedimento.
