Sócios gerentes de sociedades por quotas – têm ou não contrato de trabalho?
Contrato de trabalho e sócios gerentes
Encontra-se em presente análise o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, inerente ao processo 12602/16.9T8PRT.P1. O cerne deste processo diz respeito à existência ou não de um contrato de trabalho da Autora com qualidade de sócia gerente de uma sociedade por quotas.
Segundo as alegações da Autora, a mesma trabalhou como empregada de balcão desde os 17 anos para a sociedade Ré, que pertencia aos seus progenitores, tendo mais tarde, com a morte dos mesmos, adquirido 20% da sociedade. A Autora tinha uma remuneração mensal de €650,00 que deixou de ser paga à mesma pela Ré em Março e Abril de 2016, pretendendo agora fazer cessar a relação laboral com fundamento na falta de pagamento desses salários.
Questões jurídicas sobre o contrato de trabalho
Existiam duas questões importantes a esclarecer: a existência ou não de um contrato de trabalho e a existência ou não de causa justificativa para a resolução do contrato de trabalho com direito à indemnização e valores a título de subsídio de férias e de subsídio de Natal de 2016.
Relativamente à primeira foi necessário examinar os requisitos para a existência de uma relação laboral. De acordo com o artigo 11º do Código do Trabalho, um “contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.”. Assim, conclui-se que para que este contrato exista é essencial a presença de uma subordinação económica, ou seja, o trabalhador deve receber uma retribuição do empregador e de uma subordinação jurídica, o que implica que o trabalhador deve exercer a sua atividade sob as “ordens, direção e fiscalização do empregador”.
Subordinação jurídica no contexto laboral
Considerando que a retribuição pode existir noutro tipo de contratos, a definição mais relevante neste contexto é a da subordinação jurídica, que é discutida neste acórdão com referências a vários autores. O tribunal concluiu que a subordinação jurídica inclui como elementos: o recebimento de ordens, a vinculação a um horário de trabalho, a atividade em local definido pelo empregador e a pertença dos instrumentos de trabalho e das matérias primas ao empregador.
Constatou-se que a Autora não apresentou provas suficientes para demonstrar a existência de subordinação jurídica, especialmente a partir de 29/07/1999, momento em que todos os sócios passaram a ser sócios-gerentes.
Gerentes e o vínculo laboral
Esta situação leva o tribunal a ter de tomar posição sobre a discussão doutrinária acerca da possibilidade de um gerente ser também trabalhador de uma sociedade comercial por quotas, como é a sociedade Ré. Ao contrário do que acontece nas sociedades anónimas e cooperativas para as quais existe uma base legal explícita que impede tal configuração, não há um impedimento legal específico para sociedades por quotas. No entanto, é necessário que o trabalhador já tenha um contrato de trabalho com a sociedade antes de ser nomeado gerente e continue a exercer as mesmas funções ou que o gerente seja contratado entre não-sócios, conforme designado por outros gerentes no pacto social ou em assembleia de sócios.
Decisões judiciais sobre gerentes não sócios
A possibilidade de qualificar o vínculo de gerentes não sócios como laboral tem sido confirmada por decisões judiciais, como: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.02.1993 e o Acórdão da Relação de Lisboa de 13.07.1988. O acórdão em análise refere que nas situações acima descritas é possível a coexistência destas duas qualidades.
Impraticabilidade da subordinação jurídica para gerentes
Adicionalmente, é referido que seria impraticável alinhar a subordinação jurídica com a atividade dos gerentes que tipicamente não estão sob uma autoridade, respondendo apenas pelos atos de gestão perante a própria sociedade. Isto implica, conforme apontado no acórdão, que a relação entre a sociedade e o gestor não pode ser considerada como tendo uma natureza contratual laboral.
Na ausência de evidências que comprovem que a Autora, em qualquer momento do seu trabalho na sociedade, estava sujeita a ordens específicas, horários pré-estabelecidos, entre outros aspetos, o tribunal conclui que não há fundamento para reconhecer a existência de um vínculo laboral. Assim, não se configura a existência de um contrato de trabalho.
Consequências da inexistência de contrato de trabalho
A segunda questão, referente à existência de uma causa justificativa para a resolução do contrato e ao direito à indemnização pelos subsídios requeridos, parece também ter sido resolvida pela análise anterior, dado que, não existindo um contrato de trabalho, este não poderia ser rescindido e, portanto, não haveria direito a créditos que pertencem à jurisdição laboral, a qual não se aplica.
Conclusão do acórdão
Assim, se a Autora deseja ver retribuídas as contribuições que reivindica, deverá fazê-lo com base em causa de pedir diferente, que não esteja relacionada à natureza laboral, tendo o tribunal de julgar improcedente o recurso apresentado, confirmando a sentença anterior.
BQ Advogadas